segunda-feira, 13 de julho de 2009

Castidade

Lembro-me do dia em que o vi pela primeira vez, ele era o meu vizinho da frente, na época eu estava com quinze anos. Ele chegou ao meu bairro e levantou muitas suspeitas, afinal de contas era tudo o que as pessoas daquele lugar não aceitavam: imprevisível e “sem pudores”.
No dia em que ele “apareceu” eu estava doente, com uma gripe forte, mas uma energia, talvez o destino, me fez levantar da cama. Vi do lado de fora na casa da frente, que antes pertencia a uma família de imigrantes portugueses, um caminhão médio, com móveis simples e muitos livros, logo pensei que o dono ou dona daqueles livros seria uma pessoa muito amante da leitura, possivelmente alguém tímido e recluso e que deveria ter os livros como companheiros.
Trinta minutos mais tarde chegou um carro, simples e até meio velho, aliás, velho é eufemismo, o carro era uma lata velha! Contudo dele saiu alguém que iria marcar para sempre a trajetória da minha vida.

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Antes de continuar permita-me uma breve apresentação... Se é que consigo ser breve, eu sou Aurélio, Aurélio Augustus Ferreira, sou de uma família de tradições católicas arraigadas e bastante Romanas, ou seja, sem inovações como as que são vistas atualmente. Meu pai era militar e minha mãe é pedagoga e mestre em teologia cristã.
Desde criança fui criado e forçado a me adaptar às mais rígidas disciplinas espirituais e físicas, meu pai dizia que se eu não fosse um grande homem das forças armadas , meu único destino seria servir a Jesus e a Santa Virgem Maria em tempo integral.Como eu não tinha a menor vocação para a vida militar, “decidi” viver uma vida casta , pura e santa ao lado de Deus e de todos os Santos. Mas meu caminho começou a mudar quando vi aquela pessoa parar em frente a minha casa e olhar nos meus olhos com todo aquele mistério...



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Continuava olhando pelo vidro da janela, quando um homem alto, forte e distinto de todos o que eu já havia visto naquele bairro saiu do carro, parou bem em frente a minha janela e olhou nos meus olhos.
Não entendi o que ele queria dizer, talvez não desejasse falar nada, contudo seu olhar me paralisou e minhas pernas começaram a tremer, não sei bem explicar o que me ocorreu, todavia a beleza do olhar e de todo aquele homem me arrebatou de tal maneira que não pude me controlar, saí rápido da janela e me joguei, como o um rato que foge do gato e entra na sua toca, debaixo dos lençóis.


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A noite havia chegado e eu não conseguia apagar a imagem daquele homem da minha cabeça, sabia que um amor ou paixão de um homem para com o outro, da maneira como sentia, era condenado pelas sagradas escrituras, também sabia que arderia nas chamas do inferno se não agradasse a Santa Virgem Maria e ao seu filho Jesus Cristo de Nazaré, mas toda situação que se configurou dentro de mim se apresentava resistente e mais forte do que eu, só mesmo os céus para me livrarem das garras de satanás e de suas artimanhas!
Era hora do jantar, estávamos todos à mesa comendo, a saber: papai, mamãe e eu, quando mamãe começou a falar:
__ Filho, já conhece o nosso novo vizinho?
__Não mamãe. Temos um novo vizinho?
__ Sim, vai me dizer que não sabia? É o novo morador da casa dos portugueses judeus que expulsamos daqui com nossas orações, esse novo morador não me pareceu católico, assim que chegou foi logo ficando nu da cintura para cima, que absurdo! Mas isso não é nada, além de expor ao pecado o templo do Espírito Santo, acendeu um cigarro e começou a cantar músicas do candomblé, já era de se esperar! Um negro, com certeza macumbeiro, adorador de demônios!
__ Sangue de Cristo tem poder mamãe! Este homem pode trazer as trevas para o nosso pacato e casto bairro de católicos e pessoas de família, até um protestante seria bem vindo, mas um macumbeiro, nunca!



Continua...




Texto de Romilson Soares

1 comentários:

Tapú Pukitipá disse...

Mas o exército é o único emprego pra quem não tem nenhuma vocação já dizia Raul..